Falta de conhecimento faz crescer fila por doação de órgãos

 In FHGV, Hospital Municipal Getúlio Vargas, Notícias

Se o conhecimento amplia a vida, a falta dele pode encurtá-la. Essa frase parece ideal para resumir a dificuldade em convencer familiares a concordarem com a doação órgãos. E, provavelmente, esta será a constatação a que você chegará ao conversar com alguma comissão que atua na linha de frente em busca de doadores nos hospitais. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, mais de 50 mil pessoas esperam na fila de transplantes no país.

Quando um paciente apresenta diagnóstico de morte encefálica (ME), não existindo contraindicações, ele se torna um possível doador de órgãos. Assim como a legislação envolvendo a matéria, o protocolo para diagnosticar a ME também é muito rígido, mais do que em outros países. Somente a partir desta conclusão, com 100% de garantia, começa a batalha para tentar prorrogar a vida de outros pacientes com a realização de transplantes.

No Hospital Municipal Getúlio Vargas (HMGV), em Sapucaia do Sul, essa missão cabe à Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante, conhecida por CIHDOTT. Se um paciente não demonstra sinais de que seu cérebro continua ativo, a equipe assistencial precisa suspeitar de morte encefálica e iniciar todos os testes. Acionada, a CIHDOTT acompanha e acolhe a família do paciente, como também comunica a Organização de Procura de Órgãos 1 (OPO1), que auxilia nos exames para determinar ME.

Os testes clínicos para diagnosticar morte encefálica são feitos por médicos capacitados e repetidos por diferentes profissionais, garantindo a veracidade das conclusões. Realiza-se também um exame de imagem confirmatório, exigência da lei brasileira. Se cada um desses testes e o exame de imagem demonstrarem resultados positivos para morte encefálica, finaliza-se o protocolo. Em cada uma das etapas desse processo, a família do paciente é comunicada pela CIHDOTT, que fica disponível para responder qualquer tipo de dúvida.

No Brasil, a doação de órgãos precisa ser autorizada por um familiar de até 2º grau. De acordo com a responsável técnica médica da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto e presidente da Comissão do HMGV, Liliana Gomes Pellegrin, as equipes sempre tentam a aprovação de todos os familiares que acompanham o paciente, além de respeitar o tempo e o espaço necessário para que conversem entre si. “Eram eles que conheciam o paciente fora do hospital e o que ele gostaria que fosse feito. Para alguns pode ser reconfortante pensar que uma parte do ente querido continua vivendo em outras pessoas, mas sempre é uma opção”, diz a médica.

Mitos e conflitos

Muitas pessoas questionam se os profissionais da saúde declaram morte encefálica para efetivar a doação de órgãos. Liliana responde essa pergunta: “Não, pois todo paciente tem direito ao diagnóstico. E nós não o atestamos como desculpa para a captação de órgãos. O paciente que estamos perdendo, embora contra nossa vontade, é uma perda inevitável, os familiares concordando ou não com a doação.”

Segundo a intensivista, uma dúvida comum por parte dos familiares em entender a morte encefálica está na confusão com o estado vegetativo. “A ME é um diagnóstico irreversível de que não existe funcionamento no cérebro, enquanto que no estado vegetativo, apesar de existir uma disfunção cerebral severa, existem indícios desse funcionamento”, explica. Em 2023, o Getúlio Vargas diagnosticou nove mortes encefálicas. Três resultaram em doações.

Outro motivo para uma negativa de doação está na incompreensão do motivo pelo qual um órgão pode servir para outras pessoas, mas não para o paciente doador. Liliana esclarece que isso acontece porque o corpo precisa de um cérebro viável e não existe transplante de cérebro. “Ele é o responsável por fazer com que a pessoa seja quem é e, também, dar governo para o restante do corpo. Então, quando ele para de trabalhar, numa questão de tempo os outros órgãos entram em falência”, resume a médica.

A chefe-adjunta da UTI e integrante da CIHDOTT, Jéssica Kasper Fernandes, conta que muitos familiares questionam sobre o estado do corpo do paciente pós-doação, principalmente em se tratando de pele ou córneas. Ela explica que pela região e surperficialiadade da pele doada, não fica visível durante o funeral, bem como as córneas, que recebem uma prótese. Segundo Jéssica, é muito importante que os familiares externizem suas dúvidas e preocupações para receberem a informação correta.

Jéssica Kasper Fernandes e Liliana Gomes Pellegrin

Alegria de uma segunda chance

A oportunidade de conversar com um transplantado pode tirar qualquer receio ou dúvida sobre ser um doador de órgãos. A santamariense Liège Gautério, hoje profissional de educação física, fez transplante do pulmão esquerdo há 11 anos. Portadora de fibrose pulmonar, uma doença progressiva e que à época não possuía tratamento, dependia de oxigênio durante as 24 horas do dia e, inclusive, necessitava de cadeira de rodas.

“Recebi uma segunda chance de viver. Me tornei atleta, sou bicampeã mundial nos 100 metros rasos para transplantados e retomei minha rotina com qualidade de vida”, comemora Liège. Para ela, isso só foi possível devido ao amor e solidariedade de uma família, que doou os órgãos do seu ente que partiu. “No momento de muita dor, essa família soube ser amor. E espero que outras pessoas renasçam, assim como eu pude renascer”, se emociona. “Doe órgãos, salve vidas”, conclama a atleta de 50 anos, cheia de gratidão.

Liège no Mundial para Transplantados na Espanha

Texto: Rogério Carbonera e Karolina Kraemer / Comunicação FHGV

Fotos: Imagem de rawpixel.com no Freepik e Divulgação FHGV

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